Está uma chuvinha persistente, mas por volta das 17h30 da tarde de sexta-feira, dia 9 de Março, toda a gente começa a chegar ao número 14 da Avenida da República, em Olhão, o edifício da Sociedade Recreativa — a tradicionalmente chamada Recreativa Rica —, para a inauguração de uma exposição de três artistas, Cecília Carter, Paulo Serra e Isabel Marques. Algumas horas antes tínhamos passado pelo local e já havia grande agitação com os preparativos. Maria João Cabrita, da Associação Cultural Re-Criativa República 14, que está a recuperar o charmoso edifício do século XIX mergulhado numa decadência preocupante, ajudava a transportar bancos de um lado para o outro no meio das grandes salas de chão de madeira, tectos altos também em madeira e belas janelas. Pára uns momentos para nos contar que é algarvia e que voltou a Olhão para ajudar a pôr de pé este projecto de fazer renascer um espaço que sempre foi importante para a cidade, apesar de se tratar de um clube só para sócios, muito ligado à burguesia local. “Há muita gente que se lembra de vir a um casamento ou até de ter casado aqu.” Em Outubro passado, a Re-Criativa, que conta já com mais de 200 sócios, conseguiu a concessão por cinco anos e todos lançaram mãos à obra, literalmente, arranjando tectos, chão, paredes. A 12 de Fevereiro abriu o bar Taberna República 14, azulejos e cartazes do Licor Beirão nas paredes, pipas de vinho a fazer de mesas e um cartaz a assegurar que “aqui o serviço é muito lento”. Lá fora, do outro lado da janela, abre-se um espaço exterior que ainda não houve tempo de recuperar, mas que guarda uma promessa de festa: ao fundo de um pátio grande, um ecrã branco de pedra parece apenas um rectângulo vazio contra um fundo de prédios, mas é o resistente do antigo cinema ao ar livre que a Re-Criativa quer também fazer renascer já este Verão. É o músico Fernando Júdice, um dos sócios, que, enquanto Maria João passa com bancos de um lado para o outro, nos conta que, apesar de a Recreativa Rica ter sido “muito elitista”, o espaço abria-se ao resto da população para as tais festas de casamento e para o cinema ao ar livre. Agora, muita gente se uniu para o salvar. “Há mais de 15 nacionalidades na associação, muitos são artistas. Há holandeses, franceses, italianos, portugueses.” À hora marcada para a inauguração da exposição, muitos deles começam a entrar na sala, onde as obras dos três artistas enchem as paredes. Olhamos em volta e vamos reconhecendo algumas das pessoas com as quais nos cruzámos durante os dois dias que passámos em Olhão. Entra Célia Mendes, a ceramista, Meinke Flesseman, artista, Antonia Williams, também pintora e, claro, Tara Donovan, que foi nossa anfitriã e que, por isso, será a personagem com a qual vamos começar as apresentações. Tara é inglesa, trabalhou na área das publicações do grupo Jamie Oliver, e, juntamente com o marido, Jonathan Tod, apaixonou-se por Olhão. Na realidade, foi Jonathan quem veio primeiro, visitar um amigo, conta Tara. Mas quando voltou a Londres não parou de falar desta pequena cidade algarvia e Tara acabou por vir ver o que havia de especial aqui e espreitar a casa meia arruinada que Jonathan descobrira no meio do emaranhado das ruelas de Olhão, à qual chamam a cidade cubista devido ao desenho das suas casas, que, como cubos, crescem em altura por açoteias e mirantes, a lembrar o Norte de África. É nela, agora rebaptizada como Casa Fuzetta, que a Fugas fica instalada. No passado, pertenceu ao Dr. Carlos Fuzeta (1872-1942), figura respeitada da cidade, como confirma a placa que continua a existir no exterior da casa agora recuperada em todo o esplendor: “Nesta casa viveu e morreu o Dr. Carlos Fuzeta, olhanense nato”, advogado, diplomata, deputado, duas vezes presidente da Câmara, elogiado como “alto espírito de intelectual” e “conservador primoroso”. A casa vai-se abrindo em amplos espaços, pátios interiores, quartos elegantes, escadas estreitas que desembocam em mais um pátio, do qual outra escada sobe até à açoteia mais alta, com vista sobre a Olhão cubista. Se tudo isto não tivesse já conquistado Tara quando a casa ainda era uma ruína (e dividida em duas), a sala central de um dos blocos, que se ergue até ao topo, com óculos e vitrais de cores, foi o argumento definitivo. É aí que hoje — a Casa Fuzetta, que tem 12 quartos, pode ser alugada por grupos — se fazem sessões de ioga. E depois de Olhão ter fascinado Tara, ela empenha-se agora em trazer amigos e juntar pessoas para que também elas descubram a cidade. No fim-de-semana em que a Fugas esteve presente, a casa encheu-se de gente vinda do Reino Unido e de outros lugares, além de portugueses, amigos, conhecidos, interessados, curiosos. Enfim, uma mistura de gente a quem Tara deu algumas pistas e, depois de um reforçado pequeno-almoço, lançou pelas ruas de Olhão à descoberta. Fonte:https://www.publico.pt/2018/03/31/fugas/noticia/de-onde-vem-o-feitico-da-cidade-cubista-1808168#gs.pMUoItZH